Funakoshi, Gichin
*1868 @ Shuri, Okinawa, Nihon
†1957 @ Tókio, Nihon.
I |
ntrodutor do karate em
Honshu (território central do Japão) Gichin Funakoshi assume-se historicamente
como o pioneiro e mais importante divulgador do To-de (Okinawa-te) no Japão,
recebendo por esse fato o nome de "pai do Karate-do".
Em Novembro de 1868, no ano da restauração Meiji, nasce
Gichin Funakoshi em Shuri, Okinawa. A família Tominakoshi
(designação formal da família) possui o título Shizoku ("pequena
aristocracia") e Gichin é neto de um confucionista que ensinara membros da
família real - Gisu Tominakoshi, com
quem morou e aprendeu poesia clássica japonesa . Tendo nascido
como prematuro Gichin há de ter uma saúde débil por toda a infância.
Em 1880 começa a praticar To-de em Okinawa, sob a orientação de
Yasutsune Azato pai de um seu colega de escola. A carta de recomendação
do jovem é entregue a Azato por seu avô Gisu Tominakoshi. O médico da
família - Tokashiki - apóia esse procedimento, como método de reforço
da saúde do jovem. É provável que Funakoshi, antes de se tornar discípulo de
Azato, tenha estudado durante um curto período com Taitei Kinjo,
conhecido como "punho de ferro" pela sua capacidade de derrubar um
touro com um único murro. Funakoshi há de conhecer e treinar com outros
mestres, tais como: Yasutsune Itosu, Sokon Matsumura, Kanryo
Higaonna, Kiyuna, Toono (originário de Naha) e Niigaki.
Aos 20 anos, em 1888, Funakoshi obtém aprovação nos exames para
professor primário, profissão que exercerá até 1921 (sem que lhe tenha sido
jamais registrada uma falta por doença) aproveitando toda a cultura adquirida
desde a infância quando seus avós lhe ensinavam clássicos chineses.
Em 1902 lidera uma demonstração de To-de (Okinawa-te) perante Shintaro
Ogawa, comissário escolar, contribuindo para o reforço do ensino da
disciplina nos liceus da região. Em 1903 apresenta o primeiro programa pedagógico
para a prática de To-de (Okinawa-te) nos liceus de Okinawa.É importante
citar que as casas em Okinawa eram muito próximas então tudo que era feito no
quintal de uma casa acabava se tornando conhecido nas casas adjacentes. Enquanto
muitos autores pregam que o karate era um segredo naquela época, não era
exatamente isso o que se encontrava na realidade, o karate apenas não era
oficializado como um esporte comum, não era oficial, por isso “legalmente”
secreto...
Contra os pedidos de muitos mestres mais antigos de karate que não eram
a favor da divulgação da arte, Funakoshi trouxe o karate até o sistema público
de ensino com a ajuda de Itosu. Logo as crianças de Okinawa estavam aprendendo
kata como parte das aulas de educação física. A redescoberta da herança ética
em Okinawa virou moda, e as aulas de karate eram vistas como uma coisa legal.
Alguns anos depois, o almirante Rokuro Yashiro assistiu a uma demonstração de kata. Essa demonstração foi feita por Funakoshi junto com uma equipe composta de seus melhores alunos. Enquanto ale narrava, os outros executavam kata, quebravam telhas, e geralmente chegavam ao limite de seus pequenos corpos. Funakoshi sempre enfatizava o desenvolvimento do caráter e a disciplina nas suas narrações durante essas demonstrações. Quando ele participava, gostava de executar o kata kanku-daí, o maior do karate, e talvez o mais representativo. Yashiro ficou tão impressionado que ordenou a seus homens que iniciassem o aprendizado na arte.
Em 1906 morre um dos seus grandes Mestres - Yasutsune Azato. No
mesmo ano Gichin Funakoshi organiza a primeira exibição pública de To-de
em Okinawa. Nasce o seu terceiro filho Yoshitaka (ou Gigo).
Em 1912, a Primeira Esquadra da Marinha Imperial Japonesa ancorou na Baía
de Chujo, sobre comando do Almirante Dewa, que selecionou doze de seus homens
para estudar o To-de (Okinawa-te) durante uma semana, e treinam sob a
orientação de Gichin Funakoshi.
Ainda no mesmo ano Funakoshi funda e passa a presidir a Shobukai
de Okinawa (Associação para a Promoção do Espírito das Artes Marciais de
Okinawa). Em conseqüência resigna à sua profissão de professor.
Em 1922 Jigoro Kano efetua a sua primeira visita oficial a Okinawa e
efetua um discurso acerca do Budo japonês que inspira os praticantes locais de To-de
(Okinawa-te) a darem a conhecer a sua arte.
Nesse mesmo ano a 1 de Abril o Ministério da Educação organiza a
"Primeira Exibição Atlética Nacional" em Tóquio onde se
exibem diversas artes marciais. O To-de (Okinawa-te) é uma das artes
convidadas e Gichin Funakoshi é escolhido, pelos diversos peritos de
Okinawa, para liderar a demonstração, a qual constitui a primeira apresentação
pública de To-de ao público de Tóquio.
A 17 de Maio, na seqüência da exibição pública de To-de (Okinawa-te),
Gichin Funakoshi realiza, a convite de Jigoro Kano, uma demonstração
no Kodokan. Nessa demonstração Funakoshi solicita ao seu discípulo Shinken
Gima que demonstre a kata Naihanchi (mais tarde denominada Tekki).
Nesta ocasião Funakoshi fabrica com as suas próprias mãos, para si e para o
seu discípulo os primeiros Karate-gi, inspirados no Judo-gi.
Em Junho Gichin Funakoshi publica um artigo sobre To-de (Okinawa-te)
no jornal Tókio Nichinichi. É o primeiro artigo publicado sobre esta
arte fora de Okinawa. As primeiras aulas são dadas aos membros do Tabata
Popular Club e a primeira escola é aberta no Meisei Juku - um
dormitório para estudantes originário de Okinawa - situado no bairro Suidobata
em Tóquio.
Ainda no mesmo ano a editora Bukyosha traz a público o
primeiro livro de Gichin Funakoshi: Ryu-kyu Kempo: To-de. O
artista Hoan Kosugi desenha, para a capa do livro, o famoso
"Tigre" que há de tornar-se símbolo da arte de Funakoshi.
Ainda no ano da sua chegada a Tóquio, Funakoshi recebe um aluno muito
especial: trata-se de Hironori Ohtsuka, na altura já um experiente
praticante de Ju-jutsu com 17 anos de prática. Tinha ouvido falar de Gichin
Funakoshi, procurara-o, e decidira tornar-se seu discípulo. Ohtsuka
praticará sob a orientação de Funakoshi durante os próximos nove anos.
Em 1922, a pedido do pintor Hoan Kosugi, Funakoshi publicou seu primeiro
livro: "Ryukyu Kenpo Karate", um tratado nos propósitos e prática do
Karate. Na introdução daquele livro ele já dizia que “... a pena e a espada
são inseparáveis como duas rodas de uma carroça". O grande terremoto de
Kanto em 1º de setembro de 1923 destruiu as placas de seu livro, e levou alguns
de seus alunos com ele. Ninguém morreu com o tremor, os incêndios que
provocaram as mortes. O terremoto ocorreu durante a hora do almoço, no momento
em que cada fogão a gás no Japão estava ligado. Os incêndios que ocorreram a
seguir eram monstruosos, e maioria das vidas perdidas se deveu ao fogo. Este
livro teve grande popularidade e foi revisado e reeditado quatro anos após o
seu lançamento, com o título alterado para: "Rentan Goshin Karate Jutsu".
Neste mesmo ano Funakoshi fundou um dojo de Karate num dormitório para
estudantes de Okinawa, em Meisei Juku, onde Gichin Funakoshi trabalhou
como jardineiro, zelador e faxineiro para poder se alimentar enquanto ensinava
Karate à noite. Durante o famoso terremoto de 1923 suas instalações são
destruídas.
Em 1924 Yoshitaka (Gigo) Funakoshi vai viver para Tóquio e passa
a morar com seu pai. Embora praticante de To-de (Okinawa-te) Yoshitaka (Gigo)
Funakoshi dedica apenas parte do seu tempo à prática já que estuda no laboratório
de radiologia da Universidade de Tóquio, aonde virá a obter o diploma de
"Técnico de Radiologia", passando então a trabalhar nesse mesmo
local e no Ministério da Educação. No mesmo ano, Hakudo (Hiromichi)
Nakayama (o fundador do moderno Iai-do) ao tomar conhecimento que Funakoshi
não tem onde dar aulas oferece-lhe os horários livres do seu dojo de kendo,
situado em Kyobashi, Tóquio. Adota então um esquema de graduações (kyu, dan)
semelhante ao do Kodokan. Todos os karatecas usam agora o Karate-gi
branco (semelhante ao judo-gi, mas mais ligeiro) que Funakoshi introduzira
pela primeira vez na demonstração no Kodokan em 1921. Os dan's passam a usar cinto
negro. É fundado o primeiro clube universitário na universidade de Keiho
(a convite do professor Shinyo Kasuya, do Departamento de Línguas Germânicas).
Em 1925, Funakoshi começou a pegar alunos dos vários colégios e
universidades na área Metropolitana de Tókio e nos anos seguintes esses alunos
começaram a fundar seus próprios clubes e a ensinar Karate a estudantes destas
escolas. Como resultado, o Karate começou a se espalhar por Tókio. No início
da década de 30 havia clubes de Karate em cada universidade de prestígio de Tókio.
Mas por que estava Funakoshi conseguindo tantos jovens interessados em Karate
desta vez? O Japão estava fazendo uma Guerra de Colonização na Bacia do Pacífico.
Eles invadiram e conquistaram a Coréia, Manchúria, China, Vietnã, Polinésia,
e outras áreas. Jovens a ponto de irem para a guerra vinham a Funakoshi para
aprender a lutar, assim eles poderiam sobreviver ao recrutamento nas Forças
Armadas Japonesas. O seu número de alunos aumentou bastante.
Em 1926 Gichin Funakoshi publica, através da Editora Kobundo,
uma segunda edição do seu primeiro livro, desta vez sob a designação de:
"Rentan Goshin To-de Jutsu" (as "placas de impressão"
originais do seu primeiro livro tinham sido destruídas no terremoto de 1923).
A 20 de Março de 1928 Gichin Funakoshi realiza uma demonstração de To-de
(Okinawa-te) no Sainei-kan do Palácio Imperial, em Tóquio.
Ainda em 1928 recebe a visita de Kenwa Mabuni, e no ano seguinte
de Chojun Miyagi, que efetuam as suas primeiras viagens a Tóquio. Na
altura Funakoshi tem já 61anos e Miyagi surpreende-se com as condições
extremamente modestas em que o encontra.
No início da década de 30 assiste-se à abertura de clubes de To-de
(Okinawa-te) em várias universidades: Takushoku, Chuo, Shodai (agora chamada
Hitotsubashi), Waseda, Hosei, Gakushuin, Nihon e Meiji. Gigo Funakoshi
começa, a pedido de seu pai, a tomar alguma liderança das aulas de karate nas
universidades, especialmente em Waseda.
Dentre os inúmeros discípulos de Funakoshi que aderem ao estudo da arte
de Okinawa há a destacar dois nomes e duas datas :
Shigeru Egami que começa a treinar em 1931 na Universidade de Waseda,
ajudando a fundar o Clube de Karate local e Masatoshi Nakayama
que inicia a sua prática em 1932 enquanto aluno da Universidade de Takushoku.
Por certo nesta data Gichin Funakoshi terá tido também os
primeiros contactos com Morihei Ueshiba, quer freqüentando alguns dos
seus Seminários especiais, quer trocando opiniões pessoais com este acerca da
essência do Budo.
Em 1933 Gigo Funakoshi passa a dar mais ênfase à prática do
combate no Karate, criando o Kihon Ippon Kumite. Funakoshi era Taoísta,
e ele ensinava Clássicos Chineses, como o Tao Te Ching de Lao Tzu, enquanto ele
estava vivendo em Okinawa. Funakoshi era profundamente religioso. Ele tinha
muito medo de que o Karate se tornasse um instrumento de destruição, e
provavelmente queria eliminar do treinamento algumas aplicações mortais dos
kata. Então, ele parou de fazer essas aplicações. Ele também começou a
desenvolver estilos de luta que fossem menos perigosos. Funakoshi teve sucesso ao
remover do Karate técnicas de quebras de juntas, de ossos, dedos nos olhos,
chaves de cotovelo, esmagamento de testículos, criando um novo mundo de
desafios e luta em equipe onde somente umas poucas técnicas seriam legais. Ele
fez isso baseado nos seus propósitos e com total conhecimento dos resultados.
Em 1934 os alunos de Funakoshi sob a orientação de Takeshi Shimoda
- considerado o seu mais talentoso estudante e conhecedor de Kendo e Ninjutsu
(escola Nen Ryu) - realizam uma digressão pela área de Kyoto-Osaka e pela ilha
de Kyushu. Logo após a digressão Shimoda contrai uma pneumonia e, poucos dias
depois, morre. Após a morte de Takeshi Shimoda, Gichin Funakoshi
nomeia como principal assistente seu filho Gigo Funakoshi, que,
entretanto obtivera o título de Renshi da Butokukai.
Ainda no mesmo ano Gigo Funakoshi introduz o Jiyu Ippon Kumite (kumite
semilivre). Hironori Ohtsuka abandona o grupo de Funakoshi, abre um dojo
em Tóquio e começa a ensinar a sua arte conciliando a atividade pedagógica
com a sua profissão de médico. O tipo de prática que propõe
incorporando exercícios de combate e técnicas de Ju-jutsu - constitui
uma alternativa ao método de Gichin Funakoshi. Gera-se a primeira cisão
na prática do Karate, havendo vários grupos universitários que aderem ao método
de Ohtsuka, que em breve será denominado Wado-ryu.
Em 1935 Kichinosuke Saigo, importante figura política da época e
um dos mais antigos alunos de Gichin Funakoshi, cria um comitê que se propõe,
como primeira tarefa, a construção do primeiro dojo de karate no Japão.
Esse comitê é considerado o embrião da Associação Shoto (Shotokai).
Nesse mesmo ano Gichin Funakoshi publica a sua obra fundamental
"Karate-do Kyohan" (conhecida internacionalmente como "O
Texto do Mestre"). Nessa obra Funakoshi propõe oficialmente a modificação
do kanji "To" - associado à dinastia chinesa Tang, e que significa
"antigo" - pelo Kanji "Ku" que significa "vazio".
Uma vez que ambos os Kanji também se podem pronunciar "Kara" a forma
verbal continua inalterada. Karate deixa então de significar "a mão
antiga" ou "chinesa" e passa a ser conhecido como o caminho das mãos
vazias.
Ainda em 1935 Gigo Funakoshi introduz a prática do Jiyu Kumite
("kumite livre") e, com o apoio de Shigeru Egami e Genshin
Hironishi, entre outros, desenvolve novas técnicas de pernas como: Yoko
Geri (Kekomi e Keage), várias formas de Mawashi-Geri, Fumikomi e Ushiro-Geri.
As posições de base tornam-se mais baixas que as tradicionais.
Em 1936, Funakoshi mudou os caracteres Kanji utilizados para escrever a
palavra Karate. O caractere "Kara" significava "China", e o
caractere "Te" significava "Mão". Para popularizar mais a
arte no Japão, ele mudou o caractere "Kara" por outro, que significa
"Vazio". De "Mãos Chinesas" o Karate passou a significar
"Mãos Vazias", e como os dois caracteres são lidos exatamente do
mesmo jeito, então a pronúncia da palavra continuou a mesma. Além disso,
Funakoshi defendia que o termo "Mãos Vazias" seria o mais apropriado,
pois representa não só o fato de o Karate ser um método de defesa sem armas,
mas também representa o espírito do Karate, que é esvaziar o corpo de todos
os desejos e vaidades terrenos. Com essa mudança, Funakoshi iniciou um trabalho
de revisão e simplificação, que também passou pelos nomes dos kata, pois ele
também acreditava que os japoneses não dariam muita atenção por qualquer
coisa que tivesse a ver com o dialeto caipira (interiorano) de Okinawa. Por isso
ele resolveu mudar não só nome da arte, mas também os nomes dos kata. Ele
estava certo, e seus números cresceram mais ainda.
Na Primavera de 1936 o recolhimento de fundos iniciado no ano anterior por Kichinosuke Saigo dá os seus frutos e o dojo de Funakoshi começa a tornar-se uma realidade, ali se realizando desde logo as primeiras aulas.
A 1 de Março de 1938 conclui-se a construção do dojo Shotokan. Com a materialização do Shotokan, corporiza-se o "espírito do grupo" criado em 1935 por Kichinosuke Saigo para o desenvolvimento dos ideais de Gichin Funakoshi. Esse grupo designado Shotokai - Associação Shoto - passará a ser, por assim dizer, a "alma" do Shotokan - a Casa de Shoto.
Funakoshi tinha 71 anos em 1939, e foi quando ele deu o primeiro passo
dentro de um Dojo de Karate em 29 de Janeiro. O prédio foi feito de doações
particulares, e uma placa foi pendurada sobre a entrada e dizia: "Shotokan".
"Sho" significa pinheiro. "To" significa ondas ou o som que
as árvores fazem quando o vento bate nelas. "Kan" significa edificação
ou salão. "Shoto" era o pseudônimo que Funakoshi usava para assinar
suas caligrafias quando jovem, pois quando ele ia escrevê-las se recolhia em um
lugar mais afastado, onde pudesse buscar inspiração, ouvindo apenas o barulho
dos pinheiros ondulando ao vento. Esse nome dado ao Shotokan Karate Dojo foi uma
homenagem de seus alunos. Neste mesmo ano Gichin Funakoshi e Kenwa
Mabuni inscrevem as suas respectivas escolas de Karate no Butokukai. Após
se terem submetido a exame, na mesma sessão, é lhes concedido o grau Renshi.
Em 1940 Gichin Funakoshi proíbe os seus alunos de executarem Jiyu
Kumite ("combate livre") por verificar que, em parte devido ao
fervor nacionalista e também pelo desejo de competição, essa prática induz a
um espírito de violência contrário à essência do Budo. E com a eminência
de uma guerra pairando no ar, a necessidade de treinamento nas artes militares
estava em crescimento. Jovens estavam se amontoando nos dojos, vindos de todas
as partes do Japão. O Karate foi de carona nessa onda de militarismo e estava
desfrutando de uma aceitação acelerada como resultado.
Finalmente, no dia 7 de dezembro de 1941, o Japão comete seu grande erro. O bombardeio das forças navais americanas em Pearl Harbor fora à gota d'água. Numa tentativa de prevenir que as embarcações americanas bloqueassem a importação japonesa de matéria-prima, os japoneses tentaram remover a frota americana e varrer a influência ocidental do próprio Oceano Pacífico. O plano era bombardear os navios de guerra e os porta-aviões que estavam no território do Hawaii. Isto deixaria a força da América no Pacífico tão fraca que a nação iria pedir a paz para prevenir a invasão do Hawaii e do Alasca. Infelizmente, o pequeno Japão não tinha os recursos, força humana, ou a capacidade industrial dos Estados Unidos. Com uma mão nas costas, os americanos destruíram completamente os japoneses na Ásia e no Pacífico.
Em Dezembro de 1943 Gichin Funakoshi publica "Karate-do Nyumon". Crê-se que o seu filho Yoshitaka Funakoshi tenha colaborado ativamente com seu pai na elaboração da parte técnica do livro, juntamente com Wado Uemura e Yoshiaki Ayashi.
O ano de 1945 vai revelar-se um
ano terrível para Gichin Funakoshi. A 10 de Março entre as 2:00 e 3:00 horas da manhã
o Shotokan e a residência da família Funakoshi, anexa ao dojo, são
destruídos durante os bombardeios de Tóquio. Gichin Funakoshi é
acolhido pelo filho mais velho Yoshihide, passando a residir na casa
deste situada no bairro Koishikawa em Tóquio.
Os americanos destruíram tudo que estava em seu caminho. As ilhas foram
bombardeadas do ar, todas as cidades queimadas até o fim, as colinas crivadas
de balas pelos cruzadores de guerra de longe da costa, e então as tropas
varreram através da ilha, cercando todo mundo que estivesse vivo. A era dourada
do Karate em Okinawa tinha acabado. Todas as artes militares haviam sido banidas
rapidamente pelas forças americanas.
Primeiro uma, depois outra bomba atômica explodiram sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Três dias depois, bombardeiros americanos sobrevoaram Tókio em tal quantidade que chegaram a cobrir o Sol. Tókio foi bombardeada com dispositivos incendiários. Descobrindo que o governo do Japão estava a ponto de cometer um suicídio virtual sobre a imagem do Imperador, cartas secretas foram passadas para os japoneses garantindo sua segurança se eles assinassem sua "rendição incondicional". O Japão estava acabado, a Guerra do Pacífico também, mas o pesadelo de Funakoshi ainda havia de acabar.
A esposa de Gichin Funakoshi que lograra sobreviver à destruição de Okinawa, deixa a sua região natal e reúne-se ao marido em Oita, Kyushu, onde passam a viver em condições muito difíceis.
No final desse ano Gigo Funakoshi, filho de Funakoshi, um jovem e
promissor mestre de karate no seu próprio direito, aquele que funakoshi estava
contando para substituí-lo como divulgador de seus ideais e instrutor do
shotokan, com seus 39 anos, morre como conseqüência de uma prolongada
tuberculose e veio a falecer enquanto teimosamente recusava-se a comer a ração
americana jogada como esmola ao povo faminto. O funeral ocorre a 24 de Novembro.
Funakoshi e sua esposa tentaram viver em Kyushu, uma área predominante
rural, sob ocupação americana no Japão, mas no final do Outono de 1947 a
esposa de Gichin Funakoshi morre devido a uma crise de asma. Logo após,
Funakoshi regressa a Tóquio, para reencontrar seus alunos que ainda viviam,
voltando então para casa do seu filho mais velho Yoshihide. Durante a
longa viagem Funakoshi recebe ovações de alunos que o esperam em muitas das
estações onde o comboio pára. Encorajado pelos discípulos organiza, ainda em
1947, uma grande demonstração de Karate em Tóquio.
Depois que a guerra havia acabado, as artes militares haviam sido completamente banidas. Entretanto, alguns dos alunos de Funakoshi tiveram sucesso em convencer as autoridades que o Karate era um esporte inofensivo. As autoridades americanas concederam, mais porque naquela época eles não tinham idéia do que Karate fosse. Além disso, alguns homens estavam interessados em aprender as artes militares secretas do Japão, então as proibições foram eliminadas completamente em 1948.
A 1 de Maio de 1949, pelas 18 horas no Iomiuri Shibum Hall, é criada a Nihon
Karate-do Kyokai (conhecida internacionalmente por Japan Karate
Association - JKA). E nomearam Funakoshi seu instrutor chefe.
Em 1951 e apesar da idade avançada (mais de 80 anos) Gichin Funakoshi
continua a ensinar, quase exclusivamente Kata, nas universidades de Waseda, Keio,
Hosei, Chuo, Hitotsubashi e Gakushin e, ainda, no Colégio Japonês de Medicina,
Colégio Nacional de Educação Física (Nikaido) e nas Academias Naval e
Militar.
Em 1955, um dos alunos de Funakoshi consegue arranjar um dojo para a NKK.
A 13 de Outubro de 1956 Gichin Funakoshi termina o Prefácio da segunda edição
de Karate-do Kyohan, lamentando-se do "quase irreconhecível estado
espiritual a que chegou o mundo do Karate atual" e apela a quem possa
"compreender os seus anseios profundos (...) de forma a completar os
objetivos do trabalho".
Isao Obata, Hiroshi Noguchi, Genshin Hironishi e outros "homens de confiança"
de Gichin Funakoshi, provenientes da "linha tradicional" do karate,
abandonam a JKA. Com o apoio do próprio Gichin Funakoshi, que assume a presidência
da organização, e de Shigeru Egami, o mais próximo discípulo de Funakoshi
nos últimos anos de vida, formalizam a Nihon Karate-do Shotokai.
Funakoshi tinha 89 anos de idade. Ele foi um professor de escola primária e um professor de Karate. Ele se mudou para o Japão em 1922 (o que não é um pequeno ato de coragem) e trouxe consigo o Karate, dando ao Japão algo de Okinawa com seu próprio jeito pacifista. No processo, ele perdeu um filho, sua esposa, o prédio que seus alunos fizeram para ele, seu lar, e qualquer esperança de uma vida pacífica. Ele suportou uma Guerra Mundial que resultou em calamidade nacional, e ele treinou seus jovens amigos e conheceu suas famílias apenas para vê-los irem lutar e serem mortos pelas forças invencíveis dos Estados Unidos. Ele viu o Japão queimar, ele viu os antigos templos e santuários serem totalmente aniquilados, ele viu bombardeiros enegrecerem o Sol, e ele viu como um pilar de fumaça negra subia de cada cidade no Japão e envenenava o ar que ele respirava. Ele viu o Japão cair da glória para uma nação miserável, dependendo de suprimentos de comida e roupas dos seus conquistadores. O cheiro da fumaça e o cheiro dos mortos, os berros daqueles que foram deixados para morrer lentamente, o choro das mães que perderam seus filhos e esposas que nunca mais iriam ver seus maridos, o medo, o ruído ensurdecedor dos B-29's voando sobre sua cabeça aos milhares, os clarões como os de trovões por todo o país quando as bombas explodiam em áreas residenciais, os flashes de luz na escuridão, a espera no rádio para poder ouvir a voz do Imperador pela primeira vez, somente para anunciar a rendição, a humilhação de implorar comida aos soldados. Intermináveis funerais, famílias arruinadas e lares destruídos...
A lição mais importante que ele nos ensinou está expressa na história do modo que ele passou pelo dojo principal de Jigoro Kano, o fundador do Judô. Caminhando pela rua, ele parou e fez uma pequena prece quando passou pelo Kodokan. E, se estivesse dirigindo um carro, ele tiraria seu chapéu quando passasse pelo Kodokan. Seus alunos não entenderam porque ele estaria rezando pelo sucesso do Judô. Ele explicou: "Eu não estou rezando pelo Judô. Eu estou oferecendo uma prece em respeito ao espírito de Jigoro Kano. Sem ele, eu não estaria aqui hoje".
A 26 de Abril de 1957 morre Gichin Funakoshi. O "Pai do Karate Moderno".
No seu túmulo está gravada sua célebre frase: "Karate Ni Sente Nashi" (No Karate não existe atitude ofensiva). O monumento está localizado no Templo Engakuji na cidade de Kamakura, Japão.
O filho primogênito - Yoshihide - decide organizar o funeral com
o apoio da Nihon Karate-do Shotokai e dos amigos mais próximos da família
Funakoshi, nomeadamente: Shigeru Egami (que estivera, conjuntamente com a
família, junto ao leito do Mestre quando este exalara o último suspiro), Genshin
Hironishi e Motohiro Yanagisawa.
A JKA discorda da decisão de Yoshihide Funakoshi e afirma
recusar-se a participar no funeral de Gichin Funakoshi caso não lhe seja
permitido organizar o funeral. Promove-se uma reunião de emergência entre a
Nihon Karate-do Shotokai e a Nihon Karate Kyokai (JKA). Não tendo sido possível
consenso entre ambas as partes conclui-se que a decisão de participação no
funeral de Mestre Funakoshi competirá à consciência pessoal de cada um dos
seus alunos.
No dia do funeral de Gichin Funakoshi verifica-se que apenas
comparecem os grupos universitários ligados ao Shotokai - Chuo, Senshu,
Toho, Gakushuin e Tókio Noko.
O grupo universitário de Waseda hesita, mas acaba por participar (por
insistência do Presidente da Universidade - Dr. Nobumoto Ohama, um amigo
e conterrâneo de Funakoshi). Infelizmente a grande maioria dos alunos de Gichin
Funakoshi, especialmente os mais ligados a JKA, não comparecem ao funeral
do Mestre.
Em Junho desse mesmo ano, a JKA organiza, no maior espaço coberto japonês
para a prática desportiva - o Ginásio Metropolitano de Tóquio - o primeiro All
Japan Karate-do Championship Tournament, trata-se da primeira
competição pública de Karate no Japão.